Do ponto de vista do cérebro, a aprendizagem de habilidades que envolvem movimento, mesmo que completamente diferentes, segue o mesmo mecanismo de aprendizagem motora.
Neste artigo, você encontra uma explicação técnica, porém acessível, sobre o que acontece no sistema nervoso enquanto você aprende um novo movimento, e por que alternar repetição com pausas curtas de inatividade faz você aprender muito mais rápido.
Este material complementa o vídeo da série “Caminhos para aprender melhor” e complementa o tema com mais profundidade e principais referências.
O cerebelo é uma das estruturas mais impressionantes do sistema nervoso. Apesar do tamanho compacto — o nome significa literalmente “pequeno cérebro” — ele é responsável por:
coordenação
precisão
equilíbrio
ajuste fino dos movimentos
aprendizado e automatização de habilidades motoras
Sem ele, qualquer atividade que exige ritmo, controle e sequência seria impossível.
Localizados principalmente no córtex motor, os neurônios motores superiores:
iniciam ações voluntárias
planejam e ajustam o movimento
enviam comandos para os geradores de padrões e para os neurônios motores inferiores
Em termos simples: eles decidem qual movimento será executado.
Localizados no tronco encefálico e na medula espinhal, os neurônios motores inferiores:
conectam-se diretamente aos músculos
produzem a contração muscular
realizam todo movimento voluntário e involuntário
Se o sistema superior decide, esse sistema faz acontecer.
Os Geradores Centrais de Padrões (ou GCPs) ficam no tronco encefálico e na medula e são responsáveis por:
criar padrões ritmados e repetitivos
automatizar movimentos como caminhar, correr, mastigar, engolir e respirar
manter ações contínuas mesmo sem atenção consciente
Você pode pensar sobre esses movimentos, mas não precisa.
Erros não atrapalham o processo. Eles são o processo. Quando você tenta executar um novo movimento e erra o cérebro:
percebe a diferença entre o que você quis fazer e o que fez
ajusta o comando do movimento
fortalece as conexões sinápticas envolvidas no ajuste
refina o padrão nos geradores de repetição
A aprendizagem em geral depende de duas coisas:
erros
percepção consciente de que algo precisa ser ajustado
Repetir sem atenção não gera mudança duradoura.
A famosa ideia das “10.000 horas” para se tornar especialista em um assunto não é sobre tempo. É sobre repetição com foco, especialmente nos erros.
Quanto mais repetições, melhor — desde que você esteja:
percebendo erros
ajustando
tentando se aproximar do padrão ideal
Cada microajuste ativa mecanismos neurológicos de correção e consolidação.
Nada significa:
não olhar o celular
não conversar
não se distrair com outra tarefa
preferencialmente: ficar parado, com os olhos fechados
Isso parece simples demais, mas é um dos achados mais poderosos da neurociência moderna.
Estudos mostram que, nesses minutos de repouso:
o cérebro inicia um “replay interno” da sequência de movimentos recém-treinada
as redes neurais envolvidas são reativadas na mesma ordem da prática
o padrão motor correto é reforçado
a consolidação acontece mais rápido
Esse fenômeno é parecido com o que ocorre durante o sono, quando o cérebro revisita comportamentos do dia:
na mesma ordem
automaticamente
sem nossa consciência
Enquanto você descansa, o cérebro trabalha.
Mas isso só acontece quando você não engaja em outra atividade imediatamente após treinar.
A combinação repetição com atenção + Pausa sem estímulos permite que o cérebro:
ajuste o planejamento do movimento
refine a execução muscular
atualize circuitos de automatização
fortaleça conexões recém criadas
estabilize a nova habilidade motora
É literalmente a forma biológica mais eficiente de aprender movimentos.
Anatomical Concepts. Lesões de neurônios motores superiores e inferiores.
https://www.anatomicalconcepts.com/articles/lower-motor-neuron-lesion-versus-upper-motor-lesion
Repetição neural de sequências motoras durante repouso pós-aprendizagem.
Revista Neuron, Volume 72, Edição 6, 22 de dezembro de 2011.
https://www.cell.com/neuron/fulltext/S0896-6273(11)00918-4
Kahneman, Daniel. Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Editora Objetiva, 2012.